sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Carta a Raimundo Rasga-Mala













Recordo tuas peripécias
De homem errante, pássaro festivo,
Exilado de um estranho país distante.

Tua risada incontida.
Tua voz aguda, imprevisível.
Teu repente na ponta da língua.
Língua afiada, faísca de verdade
Que ninguém queria ouvir.

Teus pais, nunca os conhecemos.
Se irmãos tiveste, não soubemos.
Filhos teus não nasceram.

Por que tanta cana, Raimundo?
Por que tanto segredo, rapaz?

Eu, velho amigo, cumpro a tarefa
Que a poesia me pede:
Dou-te diploma de eternidade
Nestes versos outonais.

Amigos teus do Sindicato
Mandam-te um abraço agrário,
O Romão e o Luizinho do Olho d’Água.
Aqui publico, com letras de fogo,
Teu nome verdadeiro, de cruz e de papel:
Raimundo Pereira da Conceição.
Amigo, irmão, irmão!

(Paulo Aires Marinho – Do livro Perto do Fogo, p. 78)
Foto: P. A.



Jerônimo Malícia














Misterioso homem do povo.
Lavrador de janeiro a janeiro.
Artista sem sindicato,
Curandeiro sem consultório,
Inventor de garrafadas.

Lê destinos na palma da mão.
A todos dá poucos anos de vida.
É visionário, mas não dá garantia
Porque a consulta é de graça.

Com as revelações do mestre Malícia,
Sofreram achaque espiritual –
Drama de Fausto nas gavetas da alma -,
Zé Valdir, Celso Aires e João Bacaba.

Fez amizade com bichos do mato:
Cria o camaleão Rafael, o introspectivo;
E a manhosa e oculta cobra Beatriz
(que revela o pecado do adultério).
Com Jerônimo, melhor não tocar nesse assunto.

Repentista, político sem mandato,
Misterioso homem do povo.

(Paulo Aires Marinho – Do livro Perto do Fogo, p. 93)
Foto: P. A.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Pássaro noturno











Sagrado como o trigo e o vinho,
Candeia de vigílias antigas,
Um sonho como um castigo
Conduz um coração em terra estrangeira.

As sandálias saúdam pedras
Em caminhos desleais.
Face arranhada de dor.
Lenço extraviado no vendaval.

Face anônima, pássaro noturno,
Não delata a sentença da solidão.
Balançando as mãos,
Enfrenta o livro das despedidas.

O amor é notícia pascal,
Arroubo de lua nova no peito do refugiado.

Pássaro noturno
Bicando a madrugada.
Asas condenadas
A inventar ressurreição.

(Paulo Aires marinho, do livro Perto do Fogo –
Trilogia do Amor, da Terra e da Esperança, p. 23)
Foto: Sebastião Salgado

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O sonho que juntos sonhamos

O sonho que juntos sonhamos
É bagagem de pedra e fósforo,
Pássaro que não se entrega
Aos rigores do tempo.

Atravessamos esta noite de enigmas
E seus arroios de desolação.
Escrevemos a unção da vida
Sobre as sentenças da morte.

Porque o sonho que juntos sonhamos
É matéria de pedra e fósforo!

Paulo Aires Marinho

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Guardar palavras











Extraídas do abismo da alma anoitecida,
Por muito tempo, em folhas maltratadas,
Guardei palavras, como as noites guardadas
No peito de Modigliani.

Penetro nas fendas do verbo,
Procuro as chaves do mistério,
O dicionário das ruas e seus lamaçais.

Quero decifrar a senha do fogo e a saliva da terra,
Escrever a vida e suas calçadas,
Como quem devora o verde assombroso
Dos olhos de Nahui Olin,
A Carmen Mondragón.

Carrego na língua
Rudimentos de vida e poesia,
E a ortografia de certas paixões.

Este é o ofício de guardar palavras:
Cultivar um sonho contra a morte cotidiana.

(Poema publicado no livro “Perto do Fogo – Trilogia do  Amor,
da Terra e da Esperança, p. 43 – Paulo Aires).

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Literatura e moralismo nos anéis de Saturno


             














Nada de novo debaixo do sol, expressão bíblica que se configura com meu tímido espanto frente ao comportamento de falso moralismo, travestido de elevado preceito ético, protagonizado por um pai contra a literatura brasileira de inconteste qualidade de estilo, fato ambientado numa escola do município paulista de Jundiaí.
                O episódio envolve o belíssimo conto "Obscenidades para uma dona de casa", do escritor Ignácio Loyola Brandão, inserido na coletânia “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”. Um pai de duas alunas gêmeas de 17 anos solicitou ao Ministério Público que determine o recolhimento do livro da rede pública estadual de ensino, alegando que o conto aludido é inapropriado para os alunos –  velada hipocrisia, doutrina para querubins nos anéis de Saturno! Esse pai seria um brilhante personagem envenenador de páginas no romance “O nome da rosa”, de Umberto Eco.
                Portugal foi o último país colonialista a abolir a escravidão e a inquisição. País que censurou a grandeza literária de José Saramago por conta de seu vigoroso romance “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Colonizados pelos portugueses, talvez aí resida a origem de nossa constrangedora herança punitiva ao sexo, ao avanço da ciência, da filosofia, da literatura; dessa patológica dualidade entre corpo e espírito.
                Nada mais fascista, repressor, que condenar ou proibir livros. A história nos mostra que essa atitude nunca foi plenamente exitosa. Jorge Amado teve milhares de exemplares queimados pelo regime militar; “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, sofreu censura  dos milicos; em 2005, “Na Toca dos Leões”, de Fernando Morais, foi vítima de decisão judicial; só para citar três exemplos. Entretanto, essas obras sempre foram lidas clandestinamente e voltaram fortalecidas às mãos do público leitor.
                O Brasil ainda está longe de ser um país de leitores, lamentavelmente. Perde feio em número de livrarias para nossa vizinha Argentina. País do futebol é um título que mais remete ao comportamento de manada do que à inteligência dessa civilização cósmica, como dizia Darcy Ribeiro. Condenar a criação literária sob o falido código da pornogafia pela palavra é moralismo doentio, catecismo empoeirado de tempos sombrios. Na linha de frente do que se possa considerar de imoralidade deveriam sempre figurar a fome, o trabalho escravo, o latifúndio e o abandono das crianças e dos idosos.
                Tudo o que está naquele conto escrito com maestria, está, em menor ou maior grau, na vida cotidiana de todo ser humano. A autêntica literatura trata das relações humanas, em qualquer parte do mundo, e as relações humanas são complexas, desafiadoras, fascinantes. Na escola, como na família e em toda a sociedade, o diálogo é um antídoto imprescindível contra toda forma de opressão que segrega e anula a beleza das relações humanas.
(Artigo publicado no Jornal do Tocantins, 22.08.2010 – p. 04)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

AS PEDRAS














Resignadas,
Guardam o suor dos relâmpagos
                                                e flores,
segredos de muros e calçadas.

Não há notícia de vontades.
Não choram,
                 as pedras.
Anoitecem a alma dos vaga-lumes
                                                errantes.

Não dormem.
Não sonham.
Indiferentes, vigiam as lágrimas
                                            do tempo.

Nuas e exatas,
Sepultam o perfume da dor,
                                      as pedras.

(Poema publicado no livro “Cantigas de Resistência” –
Paulo Aires Marinho)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Para sempre
















Teus pés para sempre apaixonados.
Teus olhos para sempre condenados
Ao fogo da beleza.
Tua vida marcada com o beijo das estrelas.
Teu corpo traído pelo decreto da cruz e da espada.
Teu sangue derramado, profanado, pela lei do cifrão.

Senta-te ao pé da fogueira,
Meu irmão e minha irmã continentais,
Entre os Krakhôs e os Incas.
Quero tua mão na minha mão
Nesta dança sem igual,
Nesta ceia de milho ancestral,
Nesta estrada tão breve e tão longa...

Conheci teu lamento, teu aceno, tua chaga.
Provei tua língua, teus livros sagrados, rasgados.

No âmago do sertão, a pesada solidão de Buell Quain
E o fardo de sua morte intempestiva –
Desamparo grudado na cova do silêncio.
Neste continente,
O rosto indígena é curta-metragem,
Notícia caluniada,
Dolorida lembrança que não se arquiva,
Paixão para sempre grafada
Na pedra da memória.

(Poema publicado no livro “Perto do Fogo – Trilogia do Amor,
da Terra e da Esperança”, Paulo Aires Marinho)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Prece outonal











Tu tens parentesco com os oráculos da primavera.
Palavra de livro incandescente,
Cabelos azuis desperdiçando luas.
Tua face é amante dos ventos gerais,
Só pode, eu creio e canto!

Criatura de paixão e pedra,
Concebida no oitavo dia da criação.
Íntima de deuses generosos,
Conduz a bula de certos milagres.

Olhos agrestes, sorriso largo num rosto camponês.
Homilia de mel e milho – certidão de luz e liberdade.
Ajuda-me a percorrer este tempo
De tempestade e assombro!

(Poema publicado no livro “Perto do Fogo – Trilogia do Amor,
da Terra e da Esperança”, Paulo Aires)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ernesto Sabato e a arte
















Gosto de tudo que Sabato escreveu. Um artista admirável. Algumas linhas do livro "A Resistência":

“A arte foi o porto definitivo onde preenchi meus anseios de navio sedento e à deriva.Cheguei a ela quando a tristeza e o pessimismo já haviam roído meu espírito de tal maneira que, como um estigma, ficaram para sempre entrelaçados à trama da minha existência. Mas devo reconhecer que foi justamente o desencontro, a ambiguidade, esta melancolia ante o efêmero e o precário, a origem da literatura em minha vida.”

O último leitor, de Ricardo Piglia



Estou lendo "O último leitor" do argentino Ricardo Piglia. São ensaios comoventes sobre a sedução da leitura, a relação do ser humano com os livos - leitura e viagem, ler como paixão cotidiana, visceral. Destaco o seguinte trecho do capítulo "Ernesto Guevara, rastros de leitura":

“Poderíamos falar de uma leitura em situação de perigo. São sempre situações de leitura extrema, fora de lugar, em circunstâncias de desorientação, de morte, ou sob o assédio da ameaça de uma destruição. A leitura se opõe a um mundo hostil, como os restos ou lembranças de outra vida.”

Leitura fascinante!

terça-feira, 27 de julho de 2010

Malditas sejam todas as cercas

















Malditas sejam todas as cercas!
Malditas todas as propriedades privadas que
nos privam de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis, amanhadas por
umas poucas mãos, para ampararem cercas e
bois e fazerem da terra escrava e escravos os
homens!

(Pedro Casaldáliga, poeta do Araguaia)
Foto: Sebastião Salgado

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Treva Alvorada: novo livro de Mariana Ianelli












Flor do Ofício


Emboscada no silêncio
Eu preparo a rosa inútil
Com as horas que salvei
Do desperdício.

Feito um verme
Decompondo ceticismo
Em força indômita,
Preparo e deito essa flor
No teu caminho
Para quando o teu corpo
(Tão quebrantável quanto o meu)
For sozinho pastorear
Seus demônios no vazio.

Quase dois mil anos
Guardado no deserto
Um salmo esperou
Para recobrar sua melodia –
E eu não te esperaria?



sexta-feira, 23 de julho de 2010

O jacaré do Siron manda lembranças


Em sua discreta condição mineral, repousa, maliciosamente, a um milímetro do nariz do Espaço Cultural de Palmas, o imortal jacaré de pedra, obra do artista plástico Siron Franco. O animal-arte é silencioso, nada diz, mas anda insone com os acontecimentos artísticos destas paragens. Um dos fatos mais importantes ocorridos nesses últimos vinte anos foi a manifestação do presidente da Associação dos Artistas Visuais do Tocantins (Avisto), Francisco de Carvalho, quando paramentou-se de morte e protestou frente ao prédio da Fundação Cultural do Tocantins, por conta do suposto descaso dessa instituição para com a classe artística tocantinense. O ato virou caso de polícia. Eis a ira dos deuses; a maldição das bruxas!

O artista que não incomoda com sua obra e suas ideias iguala-se a estilista de dondocas requintadas; literatura de auto-ajuda; matrimônio intelectual de Hebe Camargo com Alexandre Pires. Nossa apatia artística, intelectual, política, no Tocantins, daria um belo quadro para o Febeapá do saudoso Stanislaw Ponte Preta, nossa agonia pública, à prestação, sem pudor, com extrema-unção, tudo direitinho. Seria este, talvez, o momento de lermos silenciosamente, mais pelo título que pelo conteúdo, os livros “Os sapos de ontem” e “Os deuses de hoje”, do pestilento clássico Bruno Tolentino.

Não é necessário ouvir a amputada orelha de Van Gogh, para constatar que nenhum governo estadual ou municipal (no caso de Palmas) dispensou a devida relevância à agenda artístico-cultural desta terra de poeira e sol e muita história e criatividade engavetadas. Ilusão das ilusões! Da Glória de Bernini ao submerso distrito Canela, as artes de modo geral nunca foram causa de líderes políticos que ignoram a importância das manifestações artísticas na vida de um povo, na formação cultural das novas gerações.

Em Palmas, sem contar os demais municípios, é quase um milagre, digno de canonização, contar com ações permanentes ou eventos culturais expressivos promovidos pelo governo estadual ou municipal, dos quais a comunidade possa usufruir ao longo do ano. O Espaço Cultural, especificamente o Teatro Fernanda Montenegro, nasceu sob a sina de mais reformas que espetáculos. O auditório do Memorial Coluna Prestes parece uma miragem fantasmagórica, intocável.

Penso na serenidade mística do jacaré do Siron, arte que fala um idioma secreto que até Darwin se arrepiaria. A natureza ri da cultura, como num belíssimo conto de Milton Hatoum. Posso entender que não foi em vão aquele maldito verso do poeta Manoel de Barros: “No osso da fala dos loucos tem lírios.” Levanta, Giordano Bruno! O jacaré do Siron manda lembranças. Cantemos: a nós descei, caríssima luz!

terça-feira, 29 de junho de 2010

Show com Marina de la Riva
















Foi no Terraço Shopping, Brasília. Dia dos namorados. A bela e talentosa Marina de la Riva cantou e arrebatou os presentes - pura magia musical. Constância e eu estávamos lá.Uma maravilha!

Marina de la Riva é carioca de nascimento, tem o coração latino, filha de mãe mineira e pai cubano.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O mundo tem que ser outro















(Proferido dia 25/06/2010, por ocasião do encerramento do curso de Especialização em Gestão Pública e Sociedade (UFT), 1ª turma).


Caros colegas,

Há sete dias recebíamos a notícia do desaparecimento físico do escritor José Saramago. Alguém já escreveu que “A morte pesa demasiado aos que ficam.” Pesa muito mais, é claro, quando se trata de um ser humano como José Saramago, cidadão que lutou incansavelmente contra as injustiças sociais, um escritor comprometido com os princípios da solidariedade, da verdadeira democracia, da dignidade humana. Saramago tinha uma estreita ligação com o povo brasileiro. Vale lembrar que prefaciou o livro ‘Terra’ de Sebastião Salgado, cujos direitos autorais foram cedidos em conjunto com o autor e também o músico Chico Buarque ao MST. Certa vez, Saramago manifestou-se a respeito de sua vida e morte nos seguintes termos:

“Espero morrer como tenho vivido, respeitando-me a mim mesmo como condição para respeitar os demais e sem perder a ideia de que o mundo deve ser outro e não esta coisa infame.”

Esta assertiva nos leva a refletir sobre as relações de respeito para com a vida humana e as condições estruturais (política, econômica e social) em que vivem as mais diversas populações do mundo.
O fato de termos concluído esta especialização em Gestão Pública e Sociedade, por si só, não me parece um grande feito, mas o que faremos com os conhecimentos que dela assimilamos, isso sim, pode ser o fator mais expressivo desse exercício acadêmico.

Não creio em nenhuma formação acadêmica que se pretende, mascaradamente, neutra no campo político; pois nenhum segmento social, instituição ou o que quer que seja, está isento de uma cor política. Neste caso, quero salientar que esta especialização foi salva, enquanto ato político-educacional, pela grandeza de espírito do Édi, que, com ação democrática, inovadora, audaciosa, buscou oferecer-nos um curso diferente de tantos que vemos por aí, de pseudo-especializações vazias de conteúdos e pobres de seriedade política. A Universidade, hoje, está do lado do mercado ou do lado do povo, não me parece haver outra alternativa, o que se pretende fora desses dois caminhos só pode ser um lerdo mergulho no pântano da mediocridade.

Com nossa mania de a tudo nominar e a tudo dar uma utilidade prática, inclusive e sobretudo código-de-barra, tornamo-nos, então, especialistas em gestão pública e sociedade. O que isso pode significar na atual conjuntura, na relação política entre as questões do setor público e a esmagadora presença da iniciativa privada, no Brasil e no mundo? Pode representar alguma coisa e pode significar absolutamente nada, depende de que lado estamos e em função do quê e de quem empregaremos nossos conhecimentos.

Permitam-me, ainda, que teça algumas considerações sobre esse contexto sócio-político-econômico a que estamos submetidos. Que mundo é esse? Que estranho labirinto em que está metida a vida humana?

Recentemente um navio de ajuda humanitária ao povo palestino foi trucidado pelo dantesco poder bélico israelense; a base de Guantánamo, sob poder dos estados unidos, continua um laboratório de desrespeito aos direitos humanos; a dor e a desgraça do povo haitiano não é mais manchete para a mídia-vampiro; as privatizações e terceirização do setor público continuam defendidos, por líderes políticos, como a salvação econômica dos estados; a maioria dos políticos brasileiros sai de seus mandatos, inexplicavelmente, muitíssimo mais rica; o agronegócio cada vez mais fabricando desertos, envenenando o solo, disseminando os transgênicos, praticando trabalho escravo e produzindo, dentre outros, muita soja para as vacas da Europa e estados unidos; a mídia brasileira é tão perversa e leviana que durante dias a fio, trata, exaustivamente, do julgamento do casal Nardoni e nada diz do julgamento dos assassinos da irmã Dorothy Stang; desfia diuturnamente a morte de um fantasma chamado Michael Jackson e silencia a perda de artistas tão nossos como Mercedes Sosa e Augusto Boal; a esta maldita pedagogia do pensamento único missionado pela mídia, chamamos de a síndrome da antena parabólica – pensar contra os fazendeiros do ar é tarefa que desagrada a muitos.

É, no mínimo, ridícula e constrangedora, essa onda infantóide de confundir futebol com patriotismo; por que não há uma mobilização contra o analfabetismo crônico? Por que não há uma campanha massiva pela reforma agrária? Por que o povo brasileiro não torce para o fim das favelas, pela educação, ciência, moradia, saúde pública, ao invés de endeusar uma dúzia de sujeitos que ganha um oceano de dinheiro para chutar bola? Onde está a mobilização nacional a favor do povo de Pernambuco e Alagoas atingido por catástrofe natural?

No Tocantins, muito da questão pública é tratada como espaço privado, particular, assunto de cozinha, conversa de comadre; é uma luta desigual, como deus e o diabo na terra do sol, para lembrar o saudoso Glauber Rocha.

É neste contexto que estamos inseridos, que discutimos e atuaremos, uns mais, outros menos, nas questões da gestão pública. Sou um pessimista esperançoso. Apesar dos pesares, ainda creio que os movimentos sociais têm um papel extraordinário na tarefa da democratização do Brasil, e nessa permanente batalha nós não podemos ser omissos, simplesmente por uma questão ética. O lucro pelo lucro, o acúmulo de riquezas, jamais deveriam estar acima da dignidade humana. Por isso, estou com Saramago, quando disse que não devemos perder a idéia de que o mundo deve ser outro e não esta coisa infame que está aí. Concordar com essa realidade espúria é comportamento de gado manso, condição que por certo devemos renunciar.

Em nome de meus colegas, digo muito obrigado ao Édi e aos demais colaboradores, na pessoa do Felipe, da UNESP, que veio de São Paulo para contribuir com o nosso curso.

O mundo tem que ser outro!

Obrigado!

Palmas – TO, 25 de junho de 2010.