sexta-feira, 23 de abril de 2010

Um poema de Pedro Tierra


Tive terra
Não tenho.

Tive casa
Não tenho.

Tive uma pátria
Venderam.

Tive filhos
Estão mortos ou dispersos.

Tive caminhos
Foram fechados.

(Foto de Sebastião Salgado)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Arnaldo Antunes na UFT

Dia 14 de maio, sexta-feira, o ex-Titãs Arnaldo Antunes fará show na UFT, acompanhado do importante guitarrista Edgard Scandurra. Vou marcar presença, com certeza!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Vocação para o fogo
















Comungo dos segredos da tua casa
E da clandestina festa dos teus pássaros.

Nado contra a noite e seus labirintos,
Ao pé da fogueira que sempre nos uniu:
Ideais consumidos no moinho do sonho,
Nas ruínas de velhos combates.

Aprecio tua vocação para o fogo.
Dos teus olhos recolho a urgente
Sensualidade dos relâmpagos
E a força sagrada de sua cólera.

Fui abençoado no calor
Dos teus seios!


(Do livro: Perto do Fogo – Trilogia do Amor,
da Terra e da Esperança)

Filhos do Fogo


Mariana Ianelli






















Não foi o cansaço da jornada
Que de novo nessa noite nos venceu,
Mas um sofrimento antigo, igual a sempre,
A realidade com sua mão espadaúda
Juntando a poeira de uns castelos demolidos,
De tudo extraindo o que sobra de nosso, afinal:
O irreversível.
Cultivamos rituais silenciosos,
Temos dentro de nós a alma do mundo.
Fomos feitos para a solidão,
A mesma que sente um animal
Ao largar o seu rebanho
E esperar a morte suavemente
Numa longa tarde de chuva em Gibeon.
Damos calor às coisas enquanto é tempo
E mais tempo há enquanto estamos mudos.
Gozamos um amor tranqüilo, sem heroísmo.
Assim acontece certas vezes, por espanto:
De um golpe, o infinito nos apanha.
(Do livro Fazer Silêncio – Iluminuras)


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Poemas do povo da noite

A poesia é matéria de subversão, notícia incapturável, mãe de toda metáfora, ofício que oscila entre o abandono das coisas vilipendiadas e o fascínio de enigmas inomináveis. “Não marca hora e nem lugar”. Uma poesia que nasce de um tempo sombrio, da escuridão, do delírio, da dor subterrânea, do grito proibido, do verbo estilhaçado, uma voz que conduz a sede e a fome de liberdade de toda uma geração, é um canto entendido em ressurreição. Assim o poeta Pedro Tierra teceu, nos cárceres da ditadura militar, Poemas do povo da noite, um livro de memória e denúncia, imprescindível à história de luta do povo brasileiro – um monumento literário de resistência às atrocidades do regime militar. O autor é um sobrevivente e, agora, nos brinda, com a reedição da obra, para lembrar os trinta anos da Lei de Anistia.

Pedro Tierra é o pseudônimo que Hamilton Pereira da Silva, filho de Porto Nacional, adotou para driblar os agentes da repressão sobre a verdadeira identidade do autor daqueles versos escritos no calabouço. Os poemas saíam da prisão pelas mãos generosas do padre Renzo Rossi e do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, escritos em pequenos papéis de maço de cigarro, dentro de canetas Bic amarelas. Tierra foi preso em 1972, quando tinha 24 anos, e cumpriu cinco anos de reclusão. Era acusado de subversão e de atentar contra a segurança nacional. Viu morrer, sob a tortura, inúmeros companheiros; sofreu na própria carne a insanidade de seus algozes, mas sobreviveu para continuar lutando pela democracia, cantando em defesa da vida, da liberdade humana.

O livro foi editado primeiro na Espanha, cuja edição fora premiada com Menção Honrosa pela Casa de las Américas. Anos depois, traduzido para o alemão, italiano, francês e inglês. Ainda em 1978 uma revista alemã publicou alguns poemas de Pedro Tierra em conjunto com textos de Thiago de Mello, Josué de Castro, dom Hélder Câmara e João Cabral de melo Neto, sob o título de “Um novo céu – Uma nova terra”. Somente em 1979, após conhecido na Europa e países da América Latina, “Poemas do povo da noite” chega ao Brasil.

No prefácio, Pedro Casaldáliga afirma que “ninguém pode ler estas páginas como quem desfolha mais um poema.” O jornalista Cláudio Abramo, num artigo de 1981, publicado pela Folha de São Paulo, manifestou a grata surpresa de descobrir a obra do jovem poeta ex-preso político, e que “gostaria de mostrar os versos de Pedro Tierra a Giuseppe Ungaretti, a T. S. Eliot, a Stephen Spender.” O importante pensador cristão, Tristão de Athayde, resenhou o livro em 1979, e destacou: “Assim como Garcia Lorca ficou gravado na história literária da Espanha como o poeta da resistência espanhola ao terrorismo franquista, esse jovem brasileiro de nome espanhol ficará provavelmente como a maior expressão poética da resistência ao terror ditatorial dos nossos últimos quinze anos.”

“Fui assassinado/ Morri cem vezes/ e cem vezes renasci/ sob os golpes do açoite. (...) Em cinco séculos/ reconstruí minha esperança./ A faca do verso feriu-me a boca/e com ela entreguei-me à tarefa de renascer.” Escreveu o poeta no poema de abertura do livro. Oportuna e necessária a leitura de Poemas do povo da noite, pelo o que revela, pela grandeza de espírito de uma arte praticada em tempos soturnos. Ainda mais agora, momento em que se discute, com avanços e recuos, a punição aos autores desses crimes que macularam a recente história da democracia brasileira.

Show do Dado Villa-Lobos, em Palmas

Ontem, show do Dado. Começou tarde. O som precário. Ouvi o ex-Legião, foi bom. Em Palmas, é raro contarmos com shows de qualidade. Ainda vi velhos companheiros de antigas e sempre novas batalhas. Valeu!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Renato Russo: trovador de uma geração


Os
filósofos Bertrand Russell, Rousseau e o pintor primitivista Henri Rousseau inspiraram o sobrenome artístico do líder da Legião Urbana: Renato Manfredini Jr – o Renato Russo -, que teria completado 50 anos há poucos dias. Leitor compulsivo, cinéfilo, letrista e vocalista da banda que comoveu e sacudiu o imaginário de uma extensa geração de fãs. O trovador solitário, como ficou conhecido, tem diploma de eternidade no dicionário do rock nacional. Para mim, ainda impossível esquecer a efervescência musical daquele período.

Faroeste caboclo, 1988: aqueles 159 versos, nove minutos de duração, tocava diariamente, várias vezes, nas rádios de Brasília. Não raro, até crianças balbuciavam aquela canção assustadoramente imprevisível, densa, arrebatadora. No transporte coletivo, nos bares, nas praças, na televisão, Faroeste caboclo tornou-se uma espécie de hino urbano na boca da multidão.

O tumultuado show no Mané Garrincha foi um episódio sintomático da tensa relação do público com seu ídolo, já em estado de mito. De ingresso na mão, ansiedade à flor do vento, pois afinal seria o primeiro espetáculo daquela magnitude que eu veria na capital do concreto. Ao adentrar o estádio, logo vi a multidão agitada, sedenta pelos primeiros acordes febricitantes da Legião e os versos voando da boca mítica do ídolo. Com atraso, a banda entrou em cena; não demorou muito a primeira agressão ao Renato, e em seguida a desordem instalou-se para frustrar com o que prometida ser uma noite inesquecível pela beleza musical e poética. No dia seguinte, os jornais nos davam a dimensão do estrago provocado por ‘fãs’ ensandecidos.

Ficou o desejo de ouvir, ao vivo, canções como: “Vamos celebrar a estupidez humana/ A estupidez de todas as nações/ O meu país e sua corja de assassinos/ Covardes, estupradores e ladrões...” ou “Viajamos sete léguas/ Por entre abismos e florestas/ Por Deus, nunca me vi tão só/ É a própria fé o que destrói/ Estes são dias desleais...” ou ainda Geração coca-cola, e tantas e tantas outras.

Há três anos, para mitigar um pouco a lembrança daquele tempo, vi um show do Dado Villa-Lobos, ex-guitarrista da Legião, no auditório de uma livraria carioca. Além de faixas da carreira solo, Dado lembrou do amigo menestrel e apresentou canções que fizeram juntos - o público cantou em coro. De quebra, Paula Toller estava lá e soltou a voz com o parceiro de confraria.

Renato Russo, um artista talhado em sensibilidade política e social, Quixote do Planalto Central, refinada ironia, inteligência em metáforas definitivas, plantou raízes na memória da discografia brasileira. Seus fãs ainda merecem uma biografia mais alentada, além dos expressivos trabalhos dos jornalistas Arthur Dapieve e Carlos Marcelo. Nestes tempos de glossolalia ‘musical’, entre espanto e desespero auditivo, oportuno ouvir o trovador que sempre autografava com aquela irrenunciável expressão “Força sempre!”.

Eleições 2010: entre anjos e demônios



Requentados discursos surrados, estratégia eleitoral na palma da mão, alentado orçamento de campanha e promessas de redenção de todas as mazelas sociais, é, certamente, o cardápio que nos aguarda, outra vez, para as eleições deste ano. Glauber Rocha vivo estivesse bem que poderia nos filmar, noutro plano, sob aquele inesquecível título: Deus e o diabo na terra do sol. Estamos em alto mar – sugere perigo – cantaria o poeta dos escravos.

Padecemos, inescrupulosamente, de ávida sede por um cargo comissionado fantasma, um jeitinho brasileiro, uma migalha de gabinete. Neste caso, uma simples canetada ou algo similar nos faz elevar qualquer político – qualquer mesmo – à glória de Bernini. Logo, só é corrupto o político que não serve aos nossos escusos caprichos individuais; e que se lixem aqueles que, apesar dos pesares, ainda lutam pelo bem da coletividade. Assim somos, políticos e eleitores, anjos e demônios, ambos órfãos de maior consciência social e exercício de cidadania.

Ingenuidade querermos políticos com estrela na testa para distinguirmos os bons dos maus. Talvez uma olhadela na biografia, no passado político e social – não é tarefa impossível - seja o suficiente para se saber quem é ou não merecedor do nosso voto de confiança. Podemos listar várias categorias de políticos modernos, a maioria picada pela sedução da mosca azul machadiana: herdeiros de Maquiavel; Roby Woods ao contrário; aprendizes de Al Capone ; São Franciscos de Wall Street; Faustos de Goethe (vendem a alma ao diabo e não entregam); e aqueles poucos que ainda pensam e trabalham em defesa dos direitos inalienáveis do ser humano.

O direito-dever de votar é uma condição especial. Podemos escolher segundo os ditames da justiça social, da cidadania participativa, ou simplesmente entregar nosso voto como metal vil num mercado de embusteiros – sofisticados vendilhões do templo. Bom seria vermos todos os políticos incinerando a paciência nos hospitais do SUS e seus filhos nas escolas públicas; como tratam suas empregadas domésticas; como lidam com seus funcionários. Que natureza de projetos defendem? Estão do lado de quem? ‘No Brasil, parece que o melhor exemplo de ética política foi aquele vivenciado pelos presos do Carandiru’, declaração de alguns ex-presidiários.

“Diga-me com quem andas que eu saberei quem és”, adaptada assertiva popular bem-vinda para se avaliar o perfil e a agenda dos candidatos nas próximas eleições. A cada eleição, em jogo ficam: garantias de conquistas populares, o patrimônio público, a autonomia de instituições que primam pela democracia, a preservação do meio ambiente, a questão agrária, os direitos básicos de cidadania.

Quando outubro chegar, nosso voto terá seu valor intransferível, disputadíssimo – sentença que nem sempre levamos muito a sério. Nossos ouvidos podem rejeitar aquela velha cantilena dos políticos que negam o passado e o presente para doutrinar sobre os pseudo-milagres do futuro. Bem disse, em sã loucura, o ilustre Tom Zé: o futuro é um avião cansado de ser passarinho.