sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ernesto Sabato e a arte
















Gosto de tudo que Sabato escreveu. Um artista admirável. Algumas linhas do livro "A Resistência":

“A arte foi o porto definitivo onde preenchi meus anseios de navio sedento e à deriva.Cheguei a ela quando a tristeza e o pessimismo já haviam roído meu espírito de tal maneira que, como um estigma, ficaram para sempre entrelaçados à trama da minha existência. Mas devo reconhecer que foi justamente o desencontro, a ambiguidade, esta melancolia ante o efêmero e o precário, a origem da literatura em minha vida.”

O último leitor, de Ricardo Piglia



Estou lendo "O último leitor" do argentino Ricardo Piglia. São ensaios comoventes sobre a sedução da leitura, a relação do ser humano com os livos - leitura e viagem, ler como paixão cotidiana, visceral. Destaco o seguinte trecho do capítulo "Ernesto Guevara, rastros de leitura":

“Poderíamos falar de uma leitura em situação de perigo. São sempre situações de leitura extrema, fora de lugar, em circunstâncias de desorientação, de morte, ou sob o assédio da ameaça de uma destruição. A leitura se opõe a um mundo hostil, como os restos ou lembranças de outra vida.”

Leitura fascinante!

terça-feira, 27 de julho de 2010

Malditas sejam todas as cercas

















Malditas sejam todas as cercas!
Malditas todas as propriedades privadas que
nos privam de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis, amanhadas por
umas poucas mãos, para ampararem cercas e
bois e fazerem da terra escrava e escravos os
homens!

(Pedro Casaldáliga, poeta do Araguaia)
Foto: Sebastião Salgado

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Treva Alvorada: novo livro de Mariana Ianelli












Flor do Ofício


Emboscada no silêncio
Eu preparo a rosa inútil
Com as horas que salvei
Do desperdício.

Feito um verme
Decompondo ceticismo
Em força indômita,
Preparo e deito essa flor
No teu caminho
Para quando o teu corpo
(Tão quebrantável quanto o meu)
For sozinho pastorear
Seus demônios no vazio.

Quase dois mil anos
Guardado no deserto
Um salmo esperou
Para recobrar sua melodia –
E eu não te esperaria?



sexta-feira, 23 de julho de 2010

O jacaré do Siron manda lembranças


Em sua discreta condição mineral, repousa, maliciosamente, a um milímetro do nariz do Espaço Cultural de Palmas, o imortal jacaré de pedra, obra do artista plástico Siron Franco. O animal-arte é silencioso, nada diz, mas anda insone com os acontecimentos artísticos destas paragens. Um dos fatos mais importantes ocorridos nesses últimos vinte anos foi a manifestação do presidente da Associação dos Artistas Visuais do Tocantins (Avisto), Francisco de Carvalho, quando paramentou-se de morte e protestou frente ao prédio da Fundação Cultural do Tocantins, por conta do suposto descaso dessa instituição para com a classe artística tocantinense. O ato virou caso de polícia. Eis a ira dos deuses; a maldição das bruxas!

O artista que não incomoda com sua obra e suas ideias iguala-se a estilista de dondocas requintadas; literatura de auto-ajuda; matrimônio intelectual de Hebe Camargo com Alexandre Pires. Nossa apatia artística, intelectual, política, no Tocantins, daria um belo quadro para o Febeapá do saudoso Stanislaw Ponte Preta, nossa agonia pública, à prestação, sem pudor, com extrema-unção, tudo direitinho. Seria este, talvez, o momento de lermos silenciosamente, mais pelo título que pelo conteúdo, os livros “Os sapos de ontem” e “Os deuses de hoje”, do pestilento clássico Bruno Tolentino.

Não é necessário ouvir a amputada orelha de Van Gogh, para constatar que nenhum governo estadual ou municipal (no caso de Palmas) dispensou a devida relevância à agenda artístico-cultural desta terra de poeira e sol e muita história e criatividade engavetadas. Ilusão das ilusões! Da Glória de Bernini ao submerso distrito Canela, as artes de modo geral nunca foram causa de líderes políticos que ignoram a importância das manifestações artísticas na vida de um povo, na formação cultural das novas gerações.

Em Palmas, sem contar os demais municípios, é quase um milagre, digno de canonização, contar com ações permanentes ou eventos culturais expressivos promovidos pelo governo estadual ou municipal, dos quais a comunidade possa usufruir ao longo do ano. O Espaço Cultural, especificamente o Teatro Fernanda Montenegro, nasceu sob a sina de mais reformas que espetáculos. O auditório do Memorial Coluna Prestes parece uma miragem fantasmagórica, intocável.

Penso na serenidade mística do jacaré do Siron, arte que fala um idioma secreto que até Darwin se arrepiaria. A natureza ri da cultura, como num belíssimo conto de Milton Hatoum. Posso entender que não foi em vão aquele maldito verso do poeta Manoel de Barros: “No osso da fala dos loucos tem lírios.” Levanta, Giordano Bruno! O jacaré do Siron manda lembranças. Cantemos: a nós descei, caríssima luz!