Nada de novo debaixo do sol, expressão bíblica que se configura com meu tímido espanto frente ao comportamento de falso moralismo, travestido de elevado preceito ético, protagonizado por um pai contra a literatura brasileira de inconteste qualidade de estilo, fato ambientado numa escola do município paulista de Jundiaí.
O episódio envolve o belíssimo conto "Obscenidades para uma dona de casa", do escritor Ignácio Loyola Brandão, inserido na coletânia “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”. Um pai de duas alunas gêmeas de 17 anos solicitou ao Ministério Público que determine o recolhimento do livro da rede pública estadual de ensino, alegando que o conto aludido é inapropriado para os alunos – velada hipocrisia, doutrina para querubins nos anéis de Saturno! Esse pai seria um brilhante personagem envenenador de páginas no romance “O nome da rosa”, de Umberto Eco.
Portugal foi o último país colonialista a abolir a escravidão e a inquisição. País que censurou a grandeza literária de José Saramago por conta de seu vigoroso romance “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Colonizados pelos portugueses, talvez aí resida a origem de nossa constrangedora herança punitiva ao sexo, ao avanço da ciência, da filosofia, da literatura; dessa patológica dualidade entre corpo e espírito.
Nada mais fascista, repressor, que condenar ou proibir livros. A história nos mostra que essa atitude nunca foi plenamente exitosa. Jorge Amado teve milhares de exemplares queimados pelo regime militar; “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, sofreu censura dos milicos; em 2005, “Na Toca dos Leões”, de Fernando Morais, foi vítima de decisão judicial; só para citar três exemplos. Entretanto, essas obras sempre foram lidas clandestinamente e voltaram fortalecidas às mãos do público leitor.
O Brasil ainda está longe de ser um país de leitores, lamentavelmente. Perde feio em número de livrarias para nossa vizinha Argentina. País do futebol é um título que mais remete ao comportamento de manada do que à inteligência dessa civilização cósmica, como dizia Darcy Ribeiro. Condenar a criação literária sob o falido código da pornogafia pela palavra é moralismo doentio, catecismo empoeirado de tempos sombrios. Na linha de frente do que se possa considerar de imoralidade deveriam sempre figurar a fome, o trabalho escravo, o latifúndio e o abandono das crianças e dos idosos.
Tudo o que está naquele conto escrito com maestria, está, em menor ou maior grau, na vida cotidiana de todo ser humano. A autêntica literatura trata das relações humanas, em qualquer parte do mundo, e as relações humanas são complexas, desafiadoras, fascinantes. Na escola, como na família e em toda a sociedade, o diálogo é um antídoto imprescindível contra toda forma de opressão que segrega e anula a beleza das relações humanas.
(Artigo publicado no Jornal do Tocantins, 22.08.2010 – p. 04)
Paulo Aires Marinho - Poeta, escritor e ativista cultural. Ganhou o II Prêmio SESI Tocantinense de Poesia (1994). É autor dos livros “Cantigas de Resistência” (2003),
“O Beijo de Vesúvio” (2007) e “Perto do Fogo – Trilogia do Amor, da Terra e da Esperança”. Atualmente reside em Palmas (TO).
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