
Tive terra
Não tenho.
Tive casa
Não tenho.
Tive uma pátria
Venderam.
Tive filhos
Estão mortos ou dispersos.
Tive caminhos
Foram fechados.
(Foto de Sebastião Salgado)
Prosa & Poesia

Edgard Scandurra. Vou marcar presença, com certeza!

A poesia é matéria de subversão, notícia incapturável, mãe de toda metáfora, ofício que oscila entre o abandono das coisas vilipendiadas e o fascínio de enigmas inomináveis. “Não marca hora e nem lugar”. Uma poesia que nasce de um tempo sombrio, da escuridão, do delírio, da dor subterrânea, do grito proibido, do verbo estilhaçado, uma voz que conduz a sede e a fome de liberdade de toda uma geração, é um canto entendido em ressurreição. Assim o poeta Pedro Tierra teceu, nos cárceres da ditadura militar, Poemas do povo da noite, um livro de memória e denúncia, imprescindível à história de luta do povo brasileiro – um monumento literário de resistência às atrocidades do regime militar. O autor é um sobrevivente e, agora, nos brinda, com a reedição da obra, para lembrar os trinta anos da Lei de Anistia.
as, é raro contarmos com shows de qualidade. Ainda vi velhos companheiros de antigas e sempre novas batalhas. Valeu!
m o sobrenome artístico do líder da Legião Urbana: Renato Manfredini Jr – o Renato Russo -, que teria completado 50 anos há poucos dias. Leitor compulsivo, cinéfilo, letrista e vocalista da banda que comoveu e sacudiu o imaginário de uma extensa geração de fãs. O trovador solitário, como ficou conhecido, tem diploma de eternidade no dicionário do rock nacional. Para mim, ainda impossível esquecer a efervescência musical daquele período.Requentados discursos surrados, estratégia eleitoral na palma da mão, alentado orçamento de campanha e promessas de
redenção de todas as mazelas sociais, é, certamente, o cardápio que nos aguarda, outra vez, para as eleições deste ano. Glauber Rocha vivo estivesse bem que poderia nos filmar, noutro plano, sob aquele inesquecível título: Deus e o diabo na terra do sol. Estamos em alto mar – sugere perigo – cantaria o poeta dos escravos.
Padecemos, inescrupulosamente, de ávida sede por um cargo comissionado fantasma, um jeitinho brasileiro, uma migalha de gabinete. Neste caso, uma simples canetada ou algo similar nos faz elevar qualquer político – qualquer mesmo – à glória de Bernini. Logo, só é corrupto o político que não serve aos nossos escusos caprichos individuais; e que se lixem aqueles que, apesar dos pesares, ainda lutam pelo bem da coletividade. Assim somos, políticos e eleitores, anjos e demônios, ambos órfãos de maior consciência social e exercício de cidadania.
Ingenuidade querermos políticos com estrela na testa para distinguirmos os bons dos maus. Talvez uma olhadela na biografia, no passado político e social – não é tarefa impossível - seja o suficiente para se saber quem é ou não merecedor do nosso voto de confiança. Podemos listar várias categorias de políticos modernos, a maioria picada pela sedução da mosca azul machadiana: herdeiros de Maquiavel; Roby Woods ao contrário; aprendizes de Al Capone ; São Franciscos de Wall Street; Faustos de Goethe (vendem a alma ao diabo e não entregam); e aqueles poucos que ainda pensam e trabalham em defesa dos direitos inalienáveis do ser humano.
O direito-dever de votar é uma condição especial. Podemos escolher segundo os ditames da justiça social, da cidadania participativa, ou simplesmente entregar nosso voto como metal vil num mercado de embusteiros – sofisticados vendilhões do templo. Bom seria vermos todos os políticos incinerando a paciência nos hospitais do SUS e seus filhos nas escolas públicas; como tratam suas empregadas domésticas; como lidam com seus funcionários. Que natureza de projetos defendem? Estão do lado de quem? ‘No Brasil, parece que o melhor exemplo de ética política foi aquele vivenciado pelos presos do Carandiru’, declaração de alguns ex-presidiários.
“Diga-me com quem andas que eu saberei quem és”, adaptada assertiva popular bem-vinda para se avaliar o perfil e a agenda dos candidatos nas próximas eleições. A cada eleição, em jogo ficam: garantias de conquistas populares, o patrimônio público, a autonomia de instituições que primam pela democracia, a preservação do meio ambiente, a questão agrária, os direitos básicos de cidadania.
Quando outubro chegar, nosso voto terá seu valor intransferível, disputadíssimo – sentença que nem sempre levamos muito a sério. Nossos ouvidos podem rejeitar aquela velha cantilena dos políticos que negam o passado e o presente para doutrinar sobre os pseudo-milagres do futuro. Bem disse, em sã loucura, o ilustre Tom Zé: o futuro é um avião cansado de ser passarinho.