segunda-feira, 28 de junho de 2010

O mundo tem que ser outro















(Proferido dia 25/06/2010, por ocasião do encerramento do curso de Especialização em Gestão Pública e Sociedade (UFT), 1ª turma).


Caros colegas,

Há sete dias recebíamos a notícia do desaparecimento físico do escritor José Saramago. Alguém já escreveu que “A morte pesa demasiado aos que ficam.” Pesa muito mais, é claro, quando se trata de um ser humano como José Saramago, cidadão que lutou incansavelmente contra as injustiças sociais, um escritor comprometido com os princípios da solidariedade, da verdadeira democracia, da dignidade humana. Saramago tinha uma estreita ligação com o povo brasileiro. Vale lembrar que prefaciou o livro ‘Terra’ de Sebastião Salgado, cujos direitos autorais foram cedidos em conjunto com o autor e também o músico Chico Buarque ao MST. Certa vez, Saramago manifestou-se a respeito de sua vida e morte nos seguintes termos:

“Espero morrer como tenho vivido, respeitando-me a mim mesmo como condição para respeitar os demais e sem perder a ideia de que o mundo deve ser outro e não esta coisa infame.”

Esta assertiva nos leva a refletir sobre as relações de respeito para com a vida humana e as condições estruturais (política, econômica e social) em que vivem as mais diversas populações do mundo.
O fato de termos concluído esta especialização em Gestão Pública e Sociedade, por si só, não me parece um grande feito, mas o que faremos com os conhecimentos que dela assimilamos, isso sim, pode ser o fator mais expressivo desse exercício acadêmico.

Não creio em nenhuma formação acadêmica que se pretende, mascaradamente, neutra no campo político; pois nenhum segmento social, instituição ou o que quer que seja, está isento de uma cor política. Neste caso, quero salientar que esta especialização foi salva, enquanto ato político-educacional, pela grandeza de espírito do Édi, que, com ação democrática, inovadora, audaciosa, buscou oferecer-nos um curso diferente de tantos que vemos por aí, de pseudo-especializações vazias de conteúdos e pobres de seriedade política. A Universidade, hoje, está do lado do mercado ou do lado do povo, não me parece haver outra alternativa, o que se pretende fora desses dois caminhos só pode ser um lerdo mergulho no pântano da mediocridade.

Com nossa mania de a tudo nominar e a tudo dar uma utilidade prática, inclusive e sobretudo código-de-barra, tornamo-nos, então, especialistas em gestão pública e sociedade. O que isso pode significar na atual conjuntura, na relação política entre as questões do setor público e a esmagadora presença da iniciativa privada, no Brasil e no mundo? Pode representar alguma coisa e pode significar absolutamente nada, depende de que lado estamos e em função do quê e de quem empregaremos nossos conhecimentos.

Permitam-me, ainda, que teça algumas considerações sobre esse contexto sócio-político-econômico a que estamos submetidos. Que mundo é esse? Que estranho labirinto em que está metida a vida humana?

Recentemente um navio de ajuda humanitária ao povo palestino foi trucidado pelo dantesco poder bélico israelense; a base de Guantánamo, sob poder dos estados unidos, continua um laboratório de desrespeito aos direitos humanos; a dor e a desgraça do povo haitiano não é mais manchete para a mídia-vampiro; as privatizações e terceirização do setor público continuam defendidos, por líderes políticos, como a salvação econômica dos estados; a maioria dos políticos brasileiros sai de seus mandatos, inexplicavelmente, muitíssimo mais rica; o agronegócio cada vez mais fabricando desertos, envenenando o solo, disseminando os transgênicos, praticando trabalho escravo e produzindo, dentre outros, muita soja para as vacas da Europa e estados unidos; a mídia brasileira é tão perversa e leviana que durante dias a fio, trata, exaustivamente, do julgamento do casal Nardoni e nada diz do julgamento dos assassinos da irmã Dorothy Stang; desfia diuturnamente a morte de um fantasma chamado Michael Jackson e silencia a perda de artistas tão nossos como Mercedes Sosa e Augusto Boal; a esta maldita pedagogia do pensamento único missionado pela mídia, chamamos de a síndrome da antena parabólica – pensar contra os fazendeiros do ar é tarefa que desagrada a muitos.

É, no mínimo, ridícula e constrangedora, essa onda infantóide de confundir futebol com patriotismo; por que não há uma mobilização contra o analfabetismo crônico? Por que não há uma campanha massiva pela reforma agrária? Por que o povo brasileiro não torce para o fim das favelas, pela educação, ciência, moradia, saúde pública, ao invés de endeusar uma dúzia de sujeitos que ganha um oceano de dinheiro para chutar bola? Onde está a mobilização nacional a favor do povo de Pernambuco e Alagoas atingido por catástrofe natural?

No Tocantins, muito da questão pública é tratada como espaço privado, particular, assunto de cozinha, conversa de comadre; é uma luta desigual, como deus e o diabo na terra do sol, para lembrar o saudoso Glauber Rocha.

É neste contexto que estamos inseridos, que discutimos e atuaremos, uns mais, outros menos, nas questões da gestão pública. Sou um pessimista esperançoso. Apesar dos pesares, ainda creio que os movimentos sociais têm um papel extraordinário na tarefa da democratização do Brasil, e nessa permanente batalha nós não podemos ser omissos, simplesmente por uma questão ética. O lucro pelo lucro, o acúmulo de riquezas, jamais deveriam estar acima da dignidade humana. Por isso, estou com Saramago, quando disse que não devemos perder a idéia de que o mundo deve ser outro e não esta coisa infame que está aí. Concordar com essa realidade espúria é comportamento de gado manso, condição que por certo devemos renunciar.

Em nome de meus colegas, digo muito obrigado ao Édi e aos demais colaboradores, na pessoa do Felipe, da UNESP, que veio de São Paulo para contribuir com o nosso curso.

O mundo tem que ser outro!

Obrigado!

Palmas – TO, 25 de junho de 2010.