sexta-feira, 23 de julho de 2010

O jacaré do Siron manda lembranças


Em sua discreta condição mineral, repousa, maliciosamente, a um milímetro do nariz do Espaço Cultural de Palmas, o imortal jacaré de pedra, obra do artista plástico Siron Franco. O animal-arte é silencioso, nada diz, mas anda insone com os acontecimentos artísticos destas paragens. Um dos fatos mais importantes ocorridos nesses últimos vinte anos foi a manifestação do presidente da Associação dos Artistas Visuais do Tocantins (Avisto), Francisco de Carvalho, quando paramentou-se de morte e protestou frente ao prédio da Fundação Cultural do Tocantins, por conta do suposto descaso dessa instituição para com a classe artística tocantinense. O ato virou caso de polícia. Eis a ira dos deuses; a maldição das bruxas!

O artista que não incomoda com sua obra e suas ideias iguala-se a estilista de dondocas requintadas; literatura de auto-ajuda; matrimônio intelectual de Hebe Camargo com Alexandre Pires. Nossa apatia artística, intelectual, política, no Tocantins, daria um belo quadro para o Febeapá do saudoso Stanislaw Ponte Preta, nossa agonia pública, à prestação, sem pudor, com extrema-unção, tudo direitinho. Seria este, talvez, o momento de lermos silenciosamente, mais pelo título que pelo conteúdo, os livros “Os sapos de ontem” e “Os deuses de hoje”, do pestilento clássico Bruno Tolentino.

Não é necessário ouvir a amputada orelha de Van Gogh, para constatar que nenhum governo estadual ou municipal (no caso de Palmas) dispensou a devida relevância à agenda artístico-cultural desta terra de poeira e sol e muita história e criatividade engavetadas. Ilusão das ilusões! Da Glória de Bernini ao submerso distrito Canela, as artes de modo geral nunca foram causa de líderes políticos que ignoram a importância das manifestações artísticas na vida de um povo, na formação cultural das novas gerações.

Em Palmas, sem contar os demais municípios, é quase um milagre, digno de canonização, contar com ações permanentes ou eventos culturais expressivos promovidos pelo governo estadual ou municipal, dos quais a comunidade possa usufruir ao longo do ano. O Espaço Cultural, especificamente o Teatro Fernanda Montenegro, nasceu sob a sina de mais reformas que espetáculos. O auditório do Memorial Coluna Prestes parece uma miragem fantasmagórica, intocável.

Penso na serenidade mística do jacaré do Siron, arte que fala um idioma secreto que até Darwin se arrepiaria. A natureza ri da cultura, como num belíssimo conto de Milton Hatoum. Posso entender que não foi em vão aquele maldito verso do poeta Manoel de Barros: “No osso da fala dos loucos tem lírios.” Levanta, Giordano Bruno! O jacaré do Siron manda lembranças. Cantemos: a nós descei, caríssima luz!