quinta-feira, 15 de abril de 2010

Renato Russo: trovador de uma geração


Os
filósofos Bertrand Russell, Rousseau e o pintor primitivista Henri Rousseau inspiraram o sobrenome artístico do líder da Legião Urbana: Renato Manfredini Jr – o Renato Russo -, que teria completado 50 anos há poucos dias. Leitor compulsivo, cinéfilo, letrista e vocalista da banda que comoveu e sacudiu o imaginário de uma extensa geração de fãs. O trovador solitário, como ficou conhecido, tem diploma de eternidade no dicionário do rock nacional. Para mim, ainda impossível esquecer a efervescência musical daquele período.

Faroeste caboclo, 1988: aqueles 159 versos, nove minutos de duração, tocava diariamente, várias vezes, nas rádios de Brasília. Não raro, até crianças balbuciavam aquela canção assustadoramente imprevisível, densa, arrebatadora. No transporte coletivo, nos bares, nas praças, na televisão, Faroeste caboclo tornou-se uma espécie de hino urbano na boca da multidão.

O tumultuado show no Mané Garrincha foi um episódio sintomático da tensa relação do público com seu ídolo, já em estado de mito. De ingresso na mão, ansiedade à flor do vento, pois afinal seria o primeiro espetáculo daquela magnitude que eu veria na capital do concreto. Ao adentrar o estádio, logo vi a multidão agitada, sedenta pelos primeiros acordes febricitantes da Legião e os versos voando da boca mítica do ídolo. Com atraso, a banda entrou em cena; não demorou muito a primeira agressão ao Renato, e em seguida a desordem instalou-se para frustrar com o que prometida ser uma noite inesquecível pela beleza musical e poética. No dia seguinte, os jornais nos davam a dimensão do estrago provocado por ‘fãs’ ensandecidos.

Ficou o desejo de ouvir, ao vivo, canções como: “Vamos celebrar a estupidez humana/ A estupidez de todas as nações/ O meu país e sua corja de assassinos/ Covardes, estupradores e ladrões...” ou “Viajamos sete léguas/ Por entre abismos e florestas/ Por Deus, nunca me vi tão só/ É a própria fé o que destrói/ Estes são dias desleais...” ou ainda Geração coca-cola, e tantas e tantas outras.

Há três anos, para mitigar um pouco a lembrança daquele tempo, vi um show do Dado Villa-Lobos, ex-guitarrista da Legião, no auditório de uma livraria carioca. Além de faixas da carreira solo, Dado lembrou do amigo menestrel e apresentou canções que fizeram juntos - o público cantou em coro. De quebra, Paula Toller estava lá e soltou a voz com o parceiro de confraria.

Renato Russo, um artista talhado em sensibilidade política e social, Quixote do Planalto Central, refinada ironia, inteligência em metáforas definitivas, plantou raízes na memória da discografia brasileira. Seus fãs ainda merecem uma biografia mais alentada, além dos expressivos trabalhos dos jornalistas Arthur Dapieve e Carlos Marcelo. Nestes tempos de glossolalia ‘musical’, entre espanto e desespero auditivo, oportuno ouvir o trovador que sempre autografava com aquela irrenunciável expressão “Força sempre!”.

Eleições 2010: entre anjos e demônios



Requentados discursos surrados, estratégia eleitoral na palma da mão, alentado orçamento de campanha e promessas de redenção de todas as mazelas sociais, é, certamente, o cardápio que nos aguarda, outra vez, para as eleições deste ano. Glauber Rocha vivo estivesse bem que poderia nos filmar, noutro plano, sob aquele inesquecível título: Deus e o diabo na terra do sol. Estamos em alto mar – sugere perigo – cantaria o poeta dos escravos.

Padecemos, inescrupulosamente, de ávida sede por um cargo comissionado fantasma, um jeitinho brasileiro, uma migalha de gabinete. Neste caso, uma simples canetada ou algo similar nos faz elevar qualquer político – qualquer mesmo – à glória de Bernini. Logo, só é corrupto o político que não serve aos nossos escusos caprichos individuais; e que se lixem aqueles que, apesar dos pesares, ainda lutam pelo bem da coletividade. Assim somos, políticos e eleitores, anjos e demônios, ambos órfãos de maior consciência social e exercício de cidadania.

Ingenuidade querermos políticos com estrela na testa para distinguirmos os bons dos maus. Talvez uma olhadela na biografia, no passado político e social – não é tarefa impossível - seja o suficiente para se saber quem é ou não merecedor do nosso voto de confiança. Podemos listar várias categorias de políticos modernos, a maioria picada pela sedução da mosca azul machadiana: herdeiros de Maquiavel; Roby Woods ao contrário; aprendizes de Al Capone ; São Franciscos de Wall Street; Faustos de Goethe (vendem a alma ao diabo e não entregam); e aqueles poucos que ainda pensam e trabalham em defesa dos direitos inalienáveis do ser humano.

O direito-dever de votar é uma condição especial. Podemos escolher segundo os ditames da justiça social, da cidadania participativa, ou simplesmente entregar nosso voto como metal vil num mercado de embusteiros – sofisticados vendilhões do templo. Bom seria vermos todos os políticos incinerando a paciência nos hospitais do SUS e seus filhos nas escolas públicas; como tratam suas empregadas domésticas; como lidam com seus funcionários. Que natureza de projetos defendem? Estão do lado de quem? ‘No Brasil, parece que o melhor exemplo de ética política foi aquele vivenciado pelos presos do Carandiru’, declaração de alguns ex-presidiários.

“Diga-me com quem andas que eu saberei quem és”, adaptada assertiva popular bem-vinda para se avaliar o perfil e a agenda dos candidatos nas próximas eleições. A cada eleição, em jogo ficam: garantias de conquistas populares, o patrimônio público, a autonomia de instituições que primam pela democracia, a preservação do meio ambiente, a questão agrária, os direitos básicos de cidadania.

Quando outubro chegar, nosso voto terá seu valor intransferível, disputadíssimo – sentença que nem sempre levamos muito a sério. Nossos ouvidos podem rejeitar aquela velha cantilena dos políticos que negam o passado e o presente para doutrinar sobre os pseudo-milagres do futuro. Bem disse, em sã loucura, o ilustre Tom Zé: o futuro é um avião cansado de ser passarinho.